O Caso da Mangueira Roubada

Foi um daqueles dias.

Primeiro acordei cedinho com a palavra "corra" escrita na testa e doida pra gastar a sola do tênis novo. Me vesti rapidinho, comi minha maçã e saí pra rua. No primeiro cruzamento uma rajada de vento quase me fez cair sentada. Continuei correndo meio enviezada tomando chibatadas de cabelo no rosto até o bom senso me convencer de que aquilo não estava saudável. Voltei depois de 20 minutos e claro, não me dei por satisfeita.

Resolvi então fazer jardinagem e replantar minha Yuka num vaso maior. Fui pra varanda e, sentada do lado de dentro da porta, tentei passar a terra de um vaso pro outro me escondendo do vento. Terminei com uma Yuka feliz de vaso novo e uma sala coberta de terra espalhada pelo vento, a despeito dos meus esforços aerodinâmicos.

Saí para um brunch na casa de uma amiga levando a bike comigo. Quem sabe perto da casa dela não estava ventando menos? Não estava.

Voltei com a bike pra casa e vi que o Twister tinha dado uma mini-trégua. Me vesti rapidinho de novo, desta vez de ciclista, e apontei pra floresta, onde estaria mais protegida do vento. Subi, subi, subi e comecei a descer em direção ao rio. Atravessei uma ponte e comecei a subir do outro lado, onde uma escadaria de madeira levava ao alto da montanha. Pra minha surpresa, a escadaria de repente desapareceu. Scaneei a área para descobrir que parte da montanha tinha desabado e desaparecido dentro do rio. Tive a brilhante idéia de desbravar a mata pra chegar do outro lado onde a trilha continuava. Afundei até o joelho na lama antes de perceber que tinha feito a escolha errada. Humildemente dei meia volta e comecei a descer de volta ao rio. Foi quando vi uma plaquinha amarela de trilha de pedestres indicando "Chatel St. Dennis". Eu sabia que essa cidade ficava do lado oposto do que eu tinha que ir, mas quem se importa com isso quando o que importa é o tamanho da roubada? Me embrenhei trilha a dentro às vezes pedalando, às vezes carregando a bike nas costas.


 
 
 


Encurtando muito uma história comprida, cheguei de volta a Vevey parecendo o montro do pântano. O bom senso veio novamente em meu socorro e sugeriu que eu encontrasse uma mangueira pra lavar pelo menos a bike antes de entrar em casa. O problema de ter bom senso é morar num prédio onde não tem mangueira. Saí então timidamente procurando uma na vizinhança.

Olhei sorrateira dentro de alguns jardins, até encontrar uma dando sopa atrás de uma casa. Ensaiei bater na porta pra pedir mas reparei que não tinha ninguém em casa. Melhor assim, porque o bom suíço ia achar o pedido estranhissimo.

Inicie a lavagem da bike achando que tinha me dado super bem. Até que me viro num reflexo e vejo uma família me olhando como se eu fosse realmente o monstro do pântano. Gaguejei, esqueci que língua se fala aqui, me recompuz e disse:

- Olha... Sabe... É que... Me desculpe, eu bati na porta pra pedir sua mangueira emprestada mas não tinha ninguém em casa. Sei que não devia ter pego mesmo assim, mas eu estava precisando muito. Espero que não seja muito transtorno.

(Nenhuma resposta, quatro pares de olhos arregalados fixos no monstro do pântano)

- Olha, vou desligar a água agora. Já estou devolvendo a mangueira...

(A mulher finalmente diz)

- C'est pas grave, c'est pas grave. Finissez, alors...

- Merci, c'est gentille. Desolée...

A família entra na casa. Daí um minuto, volta o marido:

- Mademoiselle, aqui está. Será que você pode lavar a minha bicicleta também?

E marido e mulher caem na gargalhada. E as crianças, sem saber muito bem qual é a graça, também morrem de rir.



E o monstro do pântano se desmancha num sorriso. Salve a simpatia - Na Suíça também tem!

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