Uma Piscina de Amor

Nunca sonhei em ser mãe. Talvez pelo relacionamento turbulento que sempre tive com a minha, talvez por simplesmente ter outros planos e vontades. Talvez por uma combinação dos dois.

Mas apesar de não me ver como mãe, queria uma família. Minha própria família. E pelas vias tradicionais, para gerar descendentes, teria que me tornar mãe...


Dei aquela enrolada: procurei sem pressa, até achar, o companheiro ideal. Trabalhei, viajei, mudei de país duas vezes, andei bastante de bicicleta, viajei mais, até que a idade começou a chamar. 

Tive a sorte de engravidar naturalmente e demorei alguns meses para amaciar a idéia. Quando finalmente me dei conta da mudança que vinha ao meu encontro como um caminhão desgovernado, estava com 5 meses de gravidez e a perna esquerda quebrada.

Como quebrei a perna: estava caminhando pela estrada afora igual Chapeuzinho Vermelho, nos vinhedos perto de casa, quando escorreguei numa tampa de bueiro molhada. Torci a perna inteira na aterrissagem e terminei com a canela quebrada e operada.

A volta pra casa foi daquelas realidades que te pegam de surpresa. Tamanha surpresa que você fica inerte, nem tenta lutar de volta. Aceitei a falta de mobilidade, o desconforto e a dor porque não tinha outra opção. Foi um processo difícil, mas esse post é pra falar do que entendi no processo.

Me casei com um cara completamente auto-suficiente. Isso, claro, é maravilhoso. Vai de encontro certeiro com a minha independência. Tudo certo enquanto éramos só dois.

Grávida de perna quebrada, morando num lugar remoto porém, me tornei dependente. Precisava de quem me ajudasse a tomar banho. A preparar meu alimento. A me levar ao médico. Precisava de alguém que me ensinasse a pedir ajuda. E o que encontrei foi alguém sem a menor experiência em ajudar...

A auto-suficiência do marido e a minha independência juntas eram um grande impedimento para aquela fase que tinha se iniciado. Talvez tudo isso pareça absurdo e insensível. Mas foi, sem reservas, a nossa realidade naquele momento. Eu aprendendo a pedir ajuda, ele aprendendo a ajudar.

Entre discussões, brigas, momentos doces e de união, estávamos, sem saber, nos preparando e nos ajustando para o que estava por vir: a chegada de um ser humaninho completamente dependente e indefeso. Nosso filho. Nosso amor. Nosso professor.

Longe, muito longe de nós, o fim desse conto. Nosso aprendizado e necessidade de ajuste é constante. Mas quando o bebê chegou, já tínhamos percorrido uma parte difícil do caminho que traz a humildade e a habilidade de pedir ajuda e a generosidade e a flexibilidade de saber ajudar. 

E a ajuda em si é complexa. Ela não pode vir como favor, deixando uma pessoa em posição de superioridade em relação a outra. Isso, numa família, não funciona. O equilíbrio, difícil de achar nos primeiros anos de vida de uma família que se forma, está no compromisso de construir juntos. Um calcula a fundação, o outro assenta o alicerce. Um vem com o tijolo, o outro com o cimento. Um trabalha mais durante a noite, o outro durante o dia. Um erra a posição do pilar, o outro corre pra acudir. Um lida com o dia-a-dia da obra, o outro planeja o acabamento... 

Quem faz o quê e quando, é opção de projeto. O que eu acho importante é que seja uma responsabilidade compartilhada e motivada pelo desejo de ver a criança florecer embalada pelas duas pessoas que realmente contam: mamãe e papai.

E para retornar ao começo desse texto: nunca sonhei em ser mãe. Mas hoje que sou, agradeço à louca de alguns anos atrás que deu um passo no escuro e caiu nessa piscina morna e cheia de amor. Nela sigo aprendendo a nadar, sabendo que o meu companheiro não vai me deixar afogar.


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