A falta que ele me faz

É a segunda vez em um mês que sonho com açaí.

Acontece sempre assim: estou em algum lugar (em Belo Horizonte) meio na correria, e me dou conta de que ainda não tomei um açaí e já é quase hora de voltar pra Suíça. Me dá um desespero, saio procurando aquela lojinha meio rutz que serve suco de cenoura com gengibre, sanduiche de ora-pro-nobis com ricota e tem mesinhas de madeira surrada sob a copa verde escura da árvore na calçada. A calçada por sua vez é toda embabadada porque quando plantaram a árvore não calcularam que a raiz ia crescer e buscar liberdade (como todos nós fazemos) ao ar livre. O cara que serve o açaí tem um sorriso simpático, barba desgrenhada, usa umas sandalias de couro com pesponto grosso e camiseta do The Doors que deve ter sido do primo biólogo que mudou pra Roraima pra estudar uma espécie de sapos que imigrou da Guiana Francesa e, ao que tudo indica, está passando por uma mutação genética por causa do excesso de exposição aos raios UV em decorrência do desmatamento e do buraco na camada de ozônio. Ah, por sinal a camada de ozônio vêm se recuperando por causa das proíbições impostas à produção de frascos de aerosol. Nada a ver com CO2. Você viu? Enfim, avisto finalmente a lojinha rutz, caminho em direção a ela a passos largos tomando cuidado pra não tropeçar na calçada embabadada. Puxo a cadeira e sento na mesinha de madeira. Apoio o cotovelo e olho pra dentro da loja pra chamar o rapaz e sinto a mesinha meio manca - por causa da calçada. Tiro um envelope usado da bolsa, dobro e ponho debaixo do pé da mesa, enquanto, meio de cabeça pra baixo, faço contato visual com o barba sorridente. Ele vem em minha direção com o bloquinho na mão. Fico com medo de babar quando faço o pedido, de tanto que a boca está salivando. Consigo dizer a frase inteira com sucesso: "Um açaí com banana e calda de frutas vermelhas por favor. De 500ml." Finalizo, contente com o investimento que estou prestes a fazer. As duas sandálias de couro se dirigem ao interior da lojinha e acompanho atentamente como ele passa o pedido pra moça de avental e touca que logo tira um tijolo roxo escuro do freezer e o deposita no liquidificador. Pronto, agora é só esperar. Apenas alguns minutos me separam dessa tigela branca, suada, que invariavelmente me satisfaz como poucas coisas nesse mundo e me deixa com os cantos da boca pretos e assustadores até eu me olhar no espelho às vezes horas depois. Lá vem ele. Na altura do nariz do Jim Morrison ele segura a bandeja com minha tigela , que ainda não começou a suar. É de 500ml, só pode ser o meu... Vejo a tenção na superfície, ou pelo menos imagino que vejo, já que o montinho roxo escuro se curva no centro. Me pergunto se o princípio da capilaridade se aplica a substâncias pastosas ou se é só aos líquidos. A essa altura Jim Morrison está diante da minha mesa manca, estendendo o braço e descendo a tigela à altura dos meus olhos, quando - DESASTRE...

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Que ódio desse toque de passarinho piando que eu escolhi como despertador. Que ódio de ser 7.16 da manhã, horário que eu idiotamente programei pra poder apertar o "snooze" e dormir até 7.25. Suspiro ainda deitada sobre o braço meio dormente e resolvo me levantar. Pra quê dormir até 7.25 quando você já desperdiçou aquela tigela de açaí. Não tivesse perdido tempo com sapos guianos e teoria da capilaridade, tinha dado tempo de tomar o raio do açaí antes do dispertador tocar!

Comentários

  1. Muito bacana seu texto...
    Acho que hoje depois do treino vou tomar um açaí!!!
    Bjs

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  2. Amo açaí!!! Mesmo morando aqui faz tempo que não como!!!!

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