Reabilitação

A má notícia é que cada vinda minha ao Brasil agora tem que valer por duas, pelo menos. É caro, é longe e precisa de bastante tempo.  
 
A boa notícia é que eu me viro então pra conhecer lugares preciosos nessas idas e vindas, e não passar vexame quando um suíço me pergunta se conheço Jericoacoara - Porque ele conhece! Foi lá fazer kite surf.
 

Em outubro do ano passado, Mélanie e eu participamos, pela segunda vez, do Brasil Ride. Se você é leitor assíduo, vai lembrar dos relatos penosos, da temperatura escaldante e dos intermináveis quilômetros que passaram embaixo das nossas rodas.

 
2013 não foi diferente. Aliás foi: fizemos mais força porque estávamos em melhor forma. E pagamos o preço por isso...

 
Achamos, com toda razão, que Jeri seria o destino ideal para o pós-Brasil Ride: Praia, longe de tudo, água de côco, açaí, frutos do mar e um tiquinho de kite surf pra mudar de esporte.

 
Acontece que a foto serena que você vê abaixo é puro fingimento. O termo para descrever o estado como terminamos o Brasil Ride é estrupiadas. Não conheço a exata definição do termo, mas ele me faz pensar numa galinha ainda viva mas semi-morta, que foi perdendo as penas durante a correria para não ser capturada mais as chibatadas que levou da vara que seu perseguidor investiu contra ela, e que finalmente sucumbiu por ter atingido tanto seu limite físico quanto a cerca do galinheiro e agora se encontra presa de cabeça para baixo na cerca, aguardando seu abate. Sabe como?

 
Assim como a galinha em sua reta final, eu adoraria ter tentado um vôozinho. Afinal estava em Jericoacoara.
 
 
Mas ao olhar os kites bailando sobre o mar - razão que me levou até lá - eu me deixei abater e bloqueie a vontade, sabendo que aquilo era demais pro corpo estrupiado.

 
Triste. Como eu queria tentar um esporte novo e aprender a dança da vela. Ao invés, me entreguei ao modo básico de sobrevivência (OK, em versão delux) e dormi, tentei comer (sem nenhum apetite) e sentei na areia olhando pro mar. Todos os dias. A Mélane fez a mesma coisa.

 
No primeiro dia dormimos até às 10 e descemos para tomar café. Mexemos o pão de lá pra cá no prato, tomamos o suco, e numa tentativa frustrada de chegar até a praia, cortamos o caminho de volta para o quarto e dormimos até as 3 da tarde. No fim do dia, um banho de mar pra não deixar Iemanjá chateada.
 


 
No dia seguinte repetimos a rotina do café da manhã e saímos para caminhar até a pedra furada. Andamos não mais de 20 minutos contra o vento no que pareceu ser uma eternidade, vimos lá em baixo na praia uma pedra com um furo, e sentamos por cerca de 40 minutos para discutir se era ou não a pedra furada. No fim do debate, levantamos e decidimos que era pequena demais para ser uma atração turística, e sentamos de novo mais 20 minutos para discutir se deveriamos continuar caminhando até encontrar a pedra original. Numa decisão quase sábia demais para ser nossa, demos meia volta e dormimos até a hora do jantar.
 
 

O dia seguinte foi incrivelmente ativo: repetimos a rotina do café da manhã mas comemos o pão e acrescentamos uma fruta e saímos num passeio de Bugre pelas dunas. Vimos a Pedra Furada e constatamos que ela era cerca de 30 vezes maior do que a suposta atração turística do dia anterior e tiramos foto brega para mostrar que estávamos cheias de energia. Para recuperar desse esforço, deitamos por cerca de 2 horas na rede dentro da laguna, medindo o esforço de levantar o braço para receber um suco de manga gelado da senhora do bar. Almoçamos peixe frito com pirão e voltamos pra Jeri a tempo de assistir o sol se por no mar do alto da duna comendo pão de queijo recheado com goiabada. Estávamos reabilitadas!


Ou não.
À noite, resolvemos coroar nossa reintegração social e nos vestimos bem gatinhas pra passear pela "cidade". Jantamos e até arriscamos uma caipi-fruta, sentindo que faz parte da responsabilidade de qualquer viajante experimentar a bebida nacional.

 
Não deveríamos. Aquele um copo deu revertério generalizado e time Blush fez revezamento noturno de maneira nada elegante, expectorando do estômago o que parecia ser o estoque inteiro de cachaça da fábrica 51.


Iniciamos o dia seguinte, que era nosso último, em modo recaída. Depois do café, deitamos de novo, dessa vez no sol, portando pernitos e manguitos e aproveitando a última e importante chance de voltar pra Europa sem o ridículo bronzeado ciclista que adquirimos em uma semana de sertão da Bahia.

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