Meu Ventoux

O plano era sedutor : « Feriadão vem aí, vou pegar minha bike de estrada e descer pro sudeste da França – Provence. Encontrar uma pousada simpática onde eu possa ler no jardim quando voltar do pedal. Experimentar o vinho local. Quero parar para almoçar sem pressa em vilarejos medievais no meio do pedal e tirar muitas fotos. » 



Do plano inicial só sobraram o pedal, o vinho e as fotos. Terminei por alugar uma casa para 11 e nem abri meu livro…

O boca-a-boca foi forte. Assim que divulguei o programa aos amigos próximos, houve adesão imediata e minha viagem solo, por definição, deixou de ser solo. A medida que os amigos dos amigos foram aglutinando, abandonamos a idéia de pousada e começamos a procurar uma casa. Ideal era ficar num local central da Provence de onde pudessemos sair pedalando para roteiros diferentes todos os dias. E que um desses dias incluísse a subida ao Mont Ventoux!

A escolhida foi Gordes, uma cidadela deslumbrante, no alto de uma colina, toda em tons ocre e cheia de história para contar. Encontramos uma casa no pé da colina e fechamos negócio. Os membros da equipe chegariam de partes diferentes do planeta: Raquel e Gabriel, brasileiros, viriam da Alemanha. Richard dos Estados Unidos. Carla, do Brasil. Jane, que é neozelandeza e seu marido Philippe, que é local, sairiam da Suíça. E o Blush-móvel, muvucado, viria da Suíça trazendo: Josephine da Alemanha, Fabien e Vincent da Suíça, Matthew do Canadá e eu.

A viagem começa
Atravessar a fronteira entre Genebra e Annemasse na França foi um desafio. Não só pela massa compácta de veículos na véspera do feriadão, mas porque o carro carregado de bikes no teto e na traseira era alto demais para a fila do pedágio que escolhemos. Tumultuamos, pioramos o estado do engarrafamento,  tomamos xingo do guarda francês e seguramos o riso até ele nos dar as costas.

 
Chegamos tarde depois de 5 horad de viagem e os outros já estavam dormindo. O café da manhã no dia seguinte foi uma delícia. Mesa no jardim, baguete quentinha, queijos e iogurtes locais, geléias e bircher-muesli, a gororoba feita de cereais, água quente, maçã ralada e iogorte; receita da Josephine e segredo das suas pernas possantes!



O pedal do primeiro dia era um “esquenta” para o Mont Ventoux. 104km de sobe e desce, incluindo as pedras vermelhas de Roussilion e o cânion de Sault. Parecia sonho...  O ritmo era homogênio mesmo com um grupo daquele tamanho, passando por estradinhas bucólicas, castelos e vilarejos provençais.



 


A volta para Gordes foi um desafio para as pernas que aos poucos começam a sair do período de hibernação. Já com 89km, pegamos uma subida de 15km e chegamos ao centro do vilarejo inspirados para o jantar. Ali na praça central, reservamos mesa para 11 num pequeno bistrô e voltamos uma hora e meia depois de banho tomado e apetite de urso. O menu de três pratos incluía aspargos, que são a verdura da estação, peixe ou carne vermelha e uma variedade perturbadora de sobremesas. Desnecessário dizer que o tema principal do jantar foi a temina subida do dia seguinte.

E na sequência, do café da manhã também. A medida que caras sonolentas e seus breteles de alças penduradas sob casacos de moleton começavam a sentar-se à mesa, as estatísticas iam fazendo sentido e causando frio na barriga. 22km de subida a partir de Bedouin, a cidade base, com 1.600 metros de desnível. Uma das montanhas mais temidas do Tour de France – e do ciclismo mundial. Um total de 96km com 2.500 metros de desnível. Vento, muito vento. E se já ventava aqui em baixo, imagine no topo. Uma diferença de 10 graus em temperatura entre a base e o topo. As vezes 15. E quantos graus fazia lá fora? 10? 12? Mas nem por isso deixamos de curtir um café demorado e fazer apostas de quem seria o/a primeiro/a no topo. Não deixamos de fazer piada do Matthew, com seu uniforme do Canadá todo combinandinho, da Raquel que ia sofrer com sua relação 11-25 e do Gabriel que mal dormiu à noite preocupado em tobar binóculo da Josephine.

Terminamos as bagetes, o bircher e o café. Não tinha mais assunto nem desculpa. Sapatilha, capacete, manguito, pernito, corta-vento, partiu. A primeira parte do percurso era plana. Nos revezamos na frente para tapear of vento. Chegamos a Bedouin e não tinha como despistar que ali começava a subida: Ciclistas por toda parte, aluguel e venda de bikes, souvenirs do Mont Ventoux. Strava ligado, e lá vamos nós.


 
Morando na Suíça e tendo que atravessar Alpes para ir a qualquer parte, eu imaginei que o Ventoux seria mais uma montanha. Erro grave. Não era. A subida era muito mais íngreme do que eu tinha previsto e os últimos 3km muito mais penosos, por causa do e das quase duas horas de subida nas pernas. Mas como o sofrimento faz a conquista mais doce, chegar ao topo foi espetacular. Parte do grupo já estava lá em cima e cada um que chegava ganhava torcida digna de chegada do Tour de France! Foi uma delícia deitar no chão protegida do vento e curtir um solzinho no rosto antes da descida.


Mas foi principalmente especial poder celebrar a chegada ao topo com um bando sorridente de amigos... E foi aí que percebi o tanto que o plano B saiu mais legal que o plano original!
 

 

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