Epílogo



Todo mundo que pratica esporte, principalmente quem compete, compartilha uma opinião: O esporte é uma escola pra vida.



Em 15 anos, uma das coisas que aprendi é quem não existe alguém simplesmente melhor que você. Existe alguém mais preparado. Física, logística ou mentalmente.


Aprendi tambem que todo mundo tem dias bons e dias ruins, e que nenhum dos dois dura pra sempre. Um dia ruim te faz querer ser melhor. E um dia bom te ensina a ter coragem e humildade para enfrentar dias piores.



Aprendi que treinar com amigos é melhor que treinar sozinho. E muito melhor que não treinar de jeito nenhum.


Aprendi que o respeito pelos adversários engrandece sua busca. E que subestimar um desafio, é o pior erro que se pode cometer.


Entendi que informação é poder. Quanto mais você conhece a si mesmo, seu adversário, seu parceiro, seu desafio, mais forte você fica.


O Cape Epic, por se tratar de 8 dias, mais de 700km, e mais de 8 horas por dia em cima da bicicleta, foi um super intensivo de lições de vida. Acho que o equivalente a isso pra quem medita, seria passar um mês num ashram na Índia. O efeito é parecido. Como eu já disse antes, uns rezam, outros pedalam.


Diversas vezes durante a prova, me peguei pensando no que estava pensando.

Em geral, eu pensava na quilometragem percorrida. Pensava que não estava com fome, mas precisava comer. Pensava que estava com fome e que queira que o ponto de agua chegasse logo. Pensava que os belgas (que na verdade eram holandeses) eram péssimos pro nosso pelotão. Eles sempre quebravam o ritmo. Que a subida podia acabar logo. Que estava na hora de tomar a capsula de sal. Que tinha uma Joaninha pousada no meu guidão (e pensei na Joana, minha irmã). Que eu estava pensando muito pouco nas pessoas que amo. E quando dividi esse pensamento com a Melanie, ela disse: “Mas eles estão pensando muito em você, e é disso que você precisa agora.”


Eu pensava que precisava dormir bem aquela noite, pra curar a garganta. Pensava que o solo da África do Sul é mais rochoso que o minério mineiro. E agradecia à natureza pelas paisagens. Agradecia a Deus por estar viva. E pedia força pra aguentar a dor. E às vezes tinha a impressão que as minhas pernas giravam sozinhas. Afinal, naquele estado de exaustão, não tinha outra explicação para a velocidade com que elas empurravam o pedal.




Pensava em um dia de cada vez, e nunca nos 707km como um todo. E pensava que eu tinha me preparado para enfrentar aquilo. E se nós tivessemos calma, iríamos terminar a prova. Pensava se a Melanie estava bem, e se eu precisava diminuir o ritmo. Pensava que a Melanie podia diminuir um pouco o ritmo… Pensava, nas piores horas, que eu já tinha passado por momentos muito mais difíceis que aquele. E voltado à vida. Aquilo era moleza…

Sabe o que eu não pensei em momento nenhum? Em desistir.

Sabe o que eu pensei o tempo todo? No Fabinho Yoshimoto. Como uma fita adesiva colada do lado de dentro da testa, eu carregava comigo a última coisa que ele me disse antes de partir: “Blush, se cuide e pedale.”


Yoshi, amigo querido, me cuidei e pedalei até o final, por você. Se cuide onde quer que você esteja. E se puder, pedale, por nós aqui em baixo.

Comentários

  1. ... muuuuuuito obrigado por escrever trocentas palavras maravilhosas, por pedalar clebercentos quilômetros e por ter um amigo em comum e focar nas palavras dele. Na boa, não consigo escrever aqui a alegria que sinto em saber que vocês aí terminaram e bem pacas o Cabo Épico, heheh. Talvez PQP sirva como expressão de contentamento, heheheh.

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  2. Andrea,
    Muito legal saber que você foi mais uma pessoa que o Jap's influenciou, tocou de alguma forma. Ele, de fato, tinha estas frases de efeito que saiam na hora certa do jeito certo.
    Para mim ele fez isso a vida inteira, nos 15 anos que pedalamos juntos e nos últimos 2 ou 3 em que pedalei sem ele fisicamente ao meu lado, mas sempre pensando nele e no que ele fez por mim, por isso que instantaneamente me identifiquei com seu post.
    Além das ótimas palavras, meus parabéns também pela prova terminada, mas principalmente por todo esforço físico e mental que antecede algo deste tamanho, não é para qualquer um se preparar para algo assim!

    Se cuide e pedale!

    Lucas Lenci

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  3. Ai ai pode chorar? Pode chorar de saudades, de orgulho, de vontade de te dar aquele abraco, de ter sido seu apoio na prova, de tomar um vinho no centro de Lausanne, de ouvir suas historias e te contar as minhas! Amiga querida, parabens por completar algo que sei o quanto significa pra voce, mas muito mais parabens por saber que isso nao é só uma prova foda de bike, isso é um intensivo de licoes de vida!!!!! Vc é fantastica, linda, maravilhosa! Tenho orgulho de voce ate debaixo dágua!!!! Saudades da minha amiga, professora, conselheira!!! Muito beijos! Re

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  4. Pra mim, muito mais que seguir o conselho do Yoshi, sem querer e talvez sem ao menos perceber aconteceu que você virou a inspiração, o exemplo para muitos. Assim como ele fez com você.

    Não sou do pedal, estou fora da bolha e por isso me dou o direito de dizer que esta história ensinou a todos. Recomeçar sempre!

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  5. Meus comentários estão no seu email...

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  6. Fernando, Lucas, Rê, Amanda, Marininha e todos os amigos e leitores que têm acompanhado essa história maluca:
    Vocês não têm idéia do quanto cada mensagem deixada aqui enche o meu coração de alegria e inspiração para continuar desbravando a vida.
    É realmente uma via de mão dupla: Eu escrevo, você lê e reflete. Você escreve de volta, eu leio e reflito e volto a escrever... E assim a gente segue tocando a vida um do outro.

    Beijo e abraço apertado

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  7. Adorei as trilhas sonoras, e os relatos, também pretendo vivenciar estas emoções e são ambições concretas, igual minha amizade com meu parceiro Didico, um apelido delicado para um cara de coração espartano(como ele se intitula)somos de Barbacena-Mg e estamos com um projeto daqui 2 anos encarar o Brasi Ride,e com certeza sobriveremos pra participar do Cape Epic, obrigado pelo seu blog, você tem muita energia Boa e passa isso pra gente..att Marcelo araujo

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